A concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência não se resume apenas ao diagnóstico médico. O pilar central para o sucesso do requerimento, tanto na via administrativa quanto na judicial, reside na correta aplicação da Portaria Conjunta MDS/INSS nº 2, de 21 de setembro de 2015.
Esta norma estabelece os critérios, procedimentos e instrumentos para a avaliação social e médica, fundamentando-se no conceito de deficiência como uma interação entre impedimentos corporais e barreiras sociais.
O Conceito de Impedimento de Longo Prazo
A legislação define deficiência, para fins de BPC, como um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. A Portaria esclarece que "longo prazo" refere-se a efeitos que perdurem por pelo menos 2 anos.
Atenção: O prazo de 2 anos refere-se ao prognóstico da limitação e não a um tempo de carência. Um recém-nascido com uma patologia congênita grave ou uma pessoa que sofreu um acidente recente pode requerer o benefício imediatamente, desde que a documentação médica indique que as sequelas ou impedimentos persistirão por esse período.
A Estrutura da Avaliação: Fatores Ambientais e Sociais
Muitos advogados focam excessivamente nos exames médicos e negligenciam a avaliação social. A Portaria nº 2/2015 detalha domínios específicos que devem ser analisados pelo Assistente Social e que, muitas vezes, são decisivos para a pontuação final.
A análise é dividida em componentes que qualificam o grau de restrição (de 0 a 4):
- Fatores Ambientais: Avalia as condições de moradia, saneamento, acesso a serviços públicos e a tecnologia assistiva.
- Atividades e Participação: Analisa como a pessoa interage na vida doméstica, interpessoal, educacional e comunitária.
Aplicação Prática: Visão Monocular e TEA
A simples apresentação de um laudo com CID de Visão Monocular ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) não garante o benefício automaticamente. A análise deve ser individualizada e contextualizada, focando nas barreiras.
O Caso da Visão Monocular
A deficiência deve ser analisada sob a ótica da desigualdade que ela provoca.
- Exemplo Prático: Um motorista profissional de 60 anos que perde a visão de um olho enfrenta uma barreira profissional intransponível e uma dificuldade imensa de recolocação no mercado de trabalho. A sua deficiência gera uma desigualdade social grave.
- Contraponto: Uma pessoa com a mesma condição, mas com alta qualificação em uma área que não exige visão binocular e com recursos financeiros, pode não enfrentar as mesmas barreiras para sua subsistência.
Transtorno do Espectro Autista (TEA)
No caso do autismo, a avaliação deve focar no suporte necessário. Existem graus de suporte (níveis 1, 2 e 3) e o impacto na dinâmica familiar é um fator preponderante.
- Argumentação: É necessário demonstrar se a criança ou adulto necessita de supervisão constante, se há barreiras no acesso à escola (falta de mediador), se a mãe ou cuidador está impedido de trabalhar para prestar cuidados, e como se dá a socialização.
O Papel do Advogado na Avaliação Social
O advogado deve atuar como um fiscal da aplicação da Portaria nº 2/2015. Ao analisar o processo administrativo indeferido, é essencial comparar as respostas dadas no formulário de avaliação social com a realidade do cliente.
Muitas vezes, o INSS pontua como "0" (nenhuma dificuldade) itens onde claramente existem barreiras moderadas ou graves. Identificar essas discrepâncias permite fundamentar recursos ou petições iniciais alegando falha na avaliação biopsicossocial, exigindo que o perito judicial ou o julgador observe as reais limitações impostas pelo meio em que o segurado vive.