Importante!!! ODS 16:
Configura indenização por danos morais a abordagem excessiva de agente de segurança privada de supermercado à menor de idade, por suspeita de prática de ato infracional análogo ao furto, causando situação vexaminosa em frente aos outros clientes do estabelecimento comercial.
(STJ. 3ª Turma. REsp 2.185.387-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/05/2025)
Aprofundando:
Imagine a seguinte situação hipotética: Mariana, uma adolescente de 14 anos, foi ao supermercado com uma amiga menor de idade para fazer compras. Depois de escolher e pagar os produtos, ao se dirigirem à saída, um segurança do supermercado abordou Mariana publicamente, acusando-a de furto. O segurança alegou que as câmeras de vigilância a teriam flagrado colocando uma mercadoria na cintura e saindo sem pagar. Mariana foi revistada em público, perto do guarda-volumes, na presença de outros clientes. A revista confirmou que Mariana não havia furtado nada, e a acusação era infundada. Ela saiu do local chorando, sentindo-se extremamente constrangida e humilhada em público. Ao chegar em casa, sua mãe, Regina, notou o estado de nervosismo da filha e, ao saber dos fatos, a levou à delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Mariana, assistida por Regina, sua mãe, ajuizou uma ação de indenização por danos morais contra o supermercado. O supermercado contestou, alegando exercício regular de direito e a inexistência de ato ilícito que justificasse a indenização.
O STJ acolheu os argumentos do supermercado? NÃO.
As abordagens por suspeita de furto são relações de consumo protegidas pelo CDC. As situações de abordagem a clientes por suspeita de furto são consideradas relações de consumo. Por isso, a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser analisada conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O CDC assegura a dignidade, saúde, segurança e a proteção dos interesses econômicos do consumidor, reconhecendo sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, do CDC). Um serviço é defeituoso quando não oferece a segurança que o consumidor espera, considerando o modo de fornecimento, resultados e riscos razoavelmente previsíveis, e o momento da disponibilização do serviço (art. 14, § 1º, do CDC). A qualidade do serviço inclui o dever de segurança, protegendo tanto a integridade psicofísica quanto a patrimonial do consumidor.
Os estabelecimentos comerciais têm direito de proteger seu patrimônio (exercício regular de direito): Supermercados e outros estabelecimentos que expõem produtos ao público têm o direito de proteger seu patrimônio contra crimes como furtos e roubos. Para isso, é comum que invistam em câmeras de vigilância, alarmes e agentes de segurança privada, formando uma rede de monitoramento para coibir práticas criminosas. A atuação dos seguranças privados (próprios ou terceirizados) inclui observar o comportamento dos consumidores e identificar atitudes suspeitas. Em caso de suspeita de furto, esses agentes podem abordar os consumidores para esclarecimentos e, se necessário, realizar revistas.
As abordagens são lícitas quando feitas com respeito e educação: Contudo, tais procedimentos são lícitos desde que conduzidos de forma calma, educada, sem excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento. O STJ já decidiu que o simples disparo de alarme sonoro seguido de revista pessoal, por si só, não enseja dano moral indenizável; é preciso comprovar tratamento abusivo ou vexatório por parte dos prepostos do estabelecimento.
Abordagens excessivas configuram abuso de direito e ato ilícito.: O art. 187 do Código Civil estabelece que:
"Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Este dispositivo consagra o abuso de direito, que é o uso excessivo no exercício de um direito. A atuação da segurança privada deve observar limites de prudência e respeito, garantindo um serviço de qualidade aos consumidores. Abordagens que extrapolam esses limites, expondo, constrangendo ou agredindo o consumidor, configuram excesso. Nessas situações, a conduta dos agentes de segurança caracteriza abuso de direito e, consequentemente, ato ilícito. Além de condutas subjetivas como a cordialidade, há critérios objetivos para aferir o excesso, como manter o tom de voz inalterado e evitar revistas em locais de grande circulação.
Existem critérios objetivos para identificar excessos nas abordagens.: É importante diferenciar revista de busca pessoal. A busca pessoal, prevista no art. 240 do CPP, é uma revista no próprio corpo, vestuário ou pertences, feita por autoridades judiciais, policiais ou seus agentes. Agentes de segurança privada não podem tocar diretamente o consumidor ou seus pertences pessoais. A revista deve se limitar a solicitar que o próprio consumidor revele o conteúdo em sua posse. Os estabelecimentos comerciais têm o dever de orientar seus funcionários a tratar os clientes com dignidade e respeito, mesmo em caso de suspeita de crime. Abordagens ríspidas, rudes ou vexatórias, especialmente com contato físico, configuram abuso de direito e ato ilícito.
Crianças e adolescentes têm proteção especial garantida pelo ECA: O art. 17 do ECA dispõe que
"o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais".
Esses direitos são reforçados para crianças e adolescentes, pois os danos decorrentes de sua inobservância podem ser irreversíveis. O art. 18 do ECA estabelece que é:
"dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".
Abordagens em adolescentes são lícitas, mas exigem cuidados especiais: O STJ já decidiu que a abordagem e revista por seguranças particulares em crianças e adolescentes, sob suspeita de furto, são lícitas, desde que conduzidas de maneira adequada. A lógica é similar à dos adultos: excessos caracterizam abuso de direito e atos ilícitos. Contudo, crianças e adolescentes merecem proteção especial, com legislação própria para seu tratamento. Diante de sua vulnerabilidade peculiar, os cuidados em abordagens e revistas devem ser ainda maiores do que para adultos, pois violações à sua integridade física, psíquica ou moral podem gerar traumas profundos e duradouros. Ao avaliar excessos em abordagens a adolescentes, devem ser observados o direito ao respeito (art. 17 do ECA) e o dever de proteção à sua dignidade (art. 18 do ECA).
Inversão do ônus da prova: o estabelecimento deve provar que não houve excesso na abordagem: O art. 6º, VIII, do CDC, assegura como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive pela inversão do ônus da prova, quando a alegação for verossímil ou o consumidor for hipossuficiente. Em casos de alegação de excessos em abordagens por suspeita de furto, cabe ao estabelecimento comercial comprovar a licitude do procedimento, demonstrando a inexistência de exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor. Essa prova é mais facilmente produzida pelo fornecedor, que detém acesso a imagens de câmeras de vigilância e relatos de testemunhas.
NÃO CONFUNDIR COM ESSE OUTRO JULGADO:
É ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada:
Caso concreto: Um homem passava pela catraca de uma estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) com uma mochila. Abordado por dois agentes de segurança privada da empresa, que suspeitavam ser ele um vendedor ambulante, foi revistado. Os agentes encontraram dois tabletes de maconha na mochila. O homem foi condenado pelo TJ/SP por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). O STJ, contudo, considerou a prova ilícita, pois foi obtida por revista pessoal ilegal feita pelos agentes da CPTM. Segundo a Constituição Federal e o CPP, apenas autoridades judiciais, policiais ou seus agentes estão autorizados a realizar busca domiciliar ou pessoal. Diante disso, a 5ª Turma do STJ concedeu habeas corpus para absolver e mandar soltar o homem.
(STJ. 5ª Turma. HC 470937/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/06/2019)
Revisão em Perguntas e Respostas:
Em que situações a abordagem de consumidores por suspeita de furto constitui exercício regular de direito? A abordagem é exercício regular de direito quando realizada de forma calma, educada, sem excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento. O simples disparo de alarme seguido de revista pessoal, por si só, não gera dano moral indenizável, desde que não haja tratamento abusivo ou vexatório.
Quando a atuação de agentes de segurança privada configura abuso de direito segundo o art. 187 do Código Civil? Configura abuso de direito quando a abordagem é realizada fora dos limites da prudência e respeito, ocasionando exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor. Isso inclui condutas ríspidas, rudes, vexatórias ou que envolvam toque físico do agente.
Qual é o fundamento para aplicação da responsabilidade civil consumerista nas situações de abordagem por suspeita de furto? As abordagens a clientes por suspeita de furto são consideradas relações de consumo, e a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser analisada à luz do CDC. O CDC garante o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor, estabelecendo responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados por defeitos na prestação de serviços.
Por que se justifica a inversão do ônus da prova nas hipóteses de alegação de excessos em abordagens por suspeita de furto? A inversão se justifica pela hipossuficiência técnica do consumidor em relação ao fornecedor, que tem melhores condições de produzir provas, como imagens de câmeras e relatos de testemunhas. Cabe ao estabelecimento comercial demonstrar a licitude do procedimento e a ausência de exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor.
Quais cuidados especiais devem ser observados em abordagens de crianças e adolescentes? Os cuidados devem ser maiores do que para adultos, dada a vulnerabilidade de crianças e adolescentes e os direitos previstos nos arts. 17 e 18 do ECA. Deve-se proteger a integridade física, psíquica e moral, evitando tratamento vexatório ou constrangedor, pois violações podem gerar traumas sérios e duradouros.
Qual é a principal diferença conceitual entre revista realizada por agentes de segurança privada e busca pessoal prevista no CPP? A revista por agentes de segurança privada se limita à inspeção de vestes e bolsas dos clientes, sem contato direto com o corpo ou pertences íntimos, devendo o consumidor revelar o conteúdo. Já a busca personal, prevista no art. 240 do CPP, pode incluir inspeção em partes do corpo e só pode ser realizada por autoridades judiciais, policiais ou seus agentes.
Fonte: Dizer o Direito