O Tribunal de Contas da União (TCU) é um órgão essencial ao controle externo da administração pública federal. Sua atuação deve ser independente, técnica e livre de interferências externas. No entanto, uma norma da Lei Complementar nº 159/2017, que trata do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados e do Distrito Federal, gerou polêmica ao obrigar o TCU a ceder um servidor para compor um órgão do Poder Executivo.
Essa exigência foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou a questão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.844/DF. O resultado foi a reafirmação da autonomia do TCU e a limitação da atuação do Legislativo sobre sua estrutura interna.
O que é o Regime de Recuperação Fiscal?
O RRF é um mecanismo criado para ajudar Estados em grave crise financeira. Ele permite que esses entes renegociem dívidas e recebam apoio da União, desde que cumpram metas de ajuste fiscal. Para fiscalizar esse processo, foi criado o Conselho de Supervisão do RRF, composto por três membros:
- Um indicado pelo Ministério da Fazenda;
- Um indicado pelo Estado em recuperação;
- Um indicado pelo TCU, entre seus auditores.
A lei determinava que o TCU deveria obrigatoriamente indicar um servidor para esse conselho, que atuaria em cargo comissionado e de dedicação exclusiva no âmbito do Executivo.
Por que essa obrigação foi questionada?
A imposição legal foi considerada uma violação à autonomia do TCU por três motivos principais:
- Autonomia institucional: O TCU tem independência garantida pela Constituição (art. 73), inclusive para gerir seu próprio quadro de pessoal.
- Reserva de iniciativa legislativa: Apenas o próprio TCU pode propor leis que alterem sua estrutura ou funcionamento (art. 96, II, “d”).
- Separação dos poderes: Um órgão autônomo não pode ser obrigado a ceder servidor para atuar em outro Poder, especialmente em cargo de confiança.
O que decidiu o STF?
O STF reconheceu que a norma era inconstitucional, mas optou por uma solução intermediária: deu interpretação conforme à Constituição. Isso significa que a Corte manteve a validade do dispositivo, desde que a indicação do servidor pelo TCU seja considerada uma faculdade, e não uma obrigação.
📌 Julgado:
É inconstitucional — por violar as prerrogativas de autonomia e autogoverno do Tribunal de Contas da União (TCU), bem como por usurpar a sua iniciativa legislativa — dispositivo de lei complementar que impõe a cessão de auditor federal de controle externo para ocupar cargo de dedicação exclusiva em órgão integrante da estrutura de outro Poder.
STF. Plenário. ADI 6.844/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 26/05/2025 (Informativo 1179 do STF).
Aprofunde no tema:
O que isso significa na prática?
- O TCU pode indicar um servidor para o Conselho de Supervisão do RRF, mas não é obrigado a fazê-lo.
- A decisão protege a independência do TCU e evita que o Executivo interfira em sua estrutura.
- A interpretação conforme também foi aplicada ao artigo que previa prazo para a indicação, tornando-o apenas indicativo.
O STF já decidiu algo parecido antes?
Sim. O STF tem precedentes firmes contra a imposição de servidores de órgãos autônomos em estruturas do Executivo. Veja alguns exemplos:
Julgado | Tema | Resultado |
---|---|---|
ADI 5.275 | Designação de servidor do Judiciário para órgão do Executivo | Inconstitucional |
ADI 3.161 | Participação obrigatória do MP em conselho estadual | Inconstitucional |
ADI 2.877 | Indicação obrigatória da OAB para conselho estadual | Inconstitucional |
Esses casos reforçam que a cessão de servidores entre Poderes deve ser sempre voluntária.
Conclusão
A decisão do STF na ADI 6.844/DF reafirma que a autonomia dos órgãos de controle, como o TCU, é essencial para o equilíbrio institucional. A imposição de obrigações por lei sem iniciativa do próprio órgão viola a Constituição e compromete a independência funcional. A interpretação conforme adotada pela Corte preserva a funcionalidade do Conselho de Supervisão do RRF, sem abrir mão dos princípios fundamentais da separação dos poderes e da autonomia administrativa.
Referência: Dizer o Direito