Criação de unidade de conservação de domínio público não se sujeita à caducidade do decreto expropriatório, sendo o interesse ambiental permanente enquanto existir a unidade (Informativo 850 do STJ)

Ementa:

A caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública não se aplica aos atos relacionados às unidades de conservação de domínio público, como os parques nacionais. Isso se deve à prevalência da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/2000) sobre as normas gerais de desapropriação.

O interesse do Estado na desapropriação de imóveis privados afetados por unidades de conservação de domínio público deriva diretamente da criação dessas unidades e perdura enquanto elas existirem, não estando sujeito à caducidade pelo simples decurso do tempo.

A criação da unidade de conservação corresponde à fase declaratória da desapropriação administrativa, com um interesse expropriatório de caráter ambiental, diferente das declarações de utilidade pública ou interesse social.

Mesmo que o prazo para efetivar a desapropriação expire, isso pode gerar uma indenização por desapropriação indireta ou limitação administrativa, mas não reverte automaticamente as restrições ambientais ou o domínio público instituídos por força de lei.

Essa decisão foi proferida pela 2ª Turma do STJ no REsp 2.006.687-SE, de relatoria do Ministro Afrânio Vilela, julgado em 13/05/2025 (Informativo 850 do STJ).

Aprofundando:

Em 2005, o Governo Federal criou, por decreto, o Parque Nacional da Serra de Itabaiana, uma unidade de conservação de domínio público. Parques nacionais são unidades de proteção integral, o que significa que são de posse e domínio públicos. Por lei, as áreas particulares dentro de um parque nacional devem ser desapropriadas pelo governo.

João é proprietário de um sítio de 120 hectares dentro dos limites desse parque. Assim, o imóvel de João deveria ser desapropriado, e o local passaria a ser gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No entanto, a ação de desapropriação não foi ajuizada pela União e pelo ICMBio, responsáveis pela gestão do parque, mesmo após mais de 5 anos.

Diante disso, João entrou com uma ação pedindo o reconhecimento da caducidade do decreto de desapropriação, com base no art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que prevê que o decreto de utilidade pública caduca se a expropriação não for efetivada em 5 anos. Com isso, João buscava que seu sítio fosse excluído da área do parque, afastando as limitações ambientais.

A Decisão do STJ: O STJ não concordou com os argumentos de João.

A criação de uma unidade de conservação não depende de um decreto expropriatório ou da efetiva desapropriação das áreas particulares. Conforme a Lei 9.985/2000 (SNUC), um parque nacional é uma Unidade de Proteção Integral (art. 8º, III), destinada à preservação de ecossistemas naturais relevantes, permitindo pesquisa científica, educação ambiental, turismo ecológico e outras atividades compatíveis (art. 11).

Embora a unidade seja de posse e domínio públicos, e as áreas particulares incluídas devam ser desapropriadas (art. 11, § 1º, da Lei 9.985/2000), a não propositura da ação expropriatória no prazo do Decreto-Lei 3.365/1941 resultaria apenas na caducidade do decreto de utilidade pública, sem afetar a existência da unidade de conservação em si.

A criação da unidade de conservação requer estudos técnicos, consultas públicas (art. 22, § 2º, da Lei 9.985/2000) e a edição de um ato instituidor pelo Poder Público (art. 22, caput). Uma vez criada, as restrições legais são imediatas (art. 28 da Lei 9.985/2000), mesmo que o Plano de Manejo ainda não tenha sido elaborado.

O art. 22, § 7º, da Lei 9.985/2000, reforça que a desafetação ou redução dos limites de uma unidade só pode ocorrer mediante lei específica. Portanto, a criação da unidade de conservação, com suas restrições legais, não está subordinada ao prazo para a propositura da ação expropriatória. A reversão dessas restrições só pode ocorrer por lei específica, não sendo admissível a caducidade do ato normativo que instituiu a unidade.

Do Interesse Público Ambiental Expropriatório: A Lei do SNUC prevê dois regimes de domínio para as unidades de conservação: aquelas que admitem propriedade privada e aquelas que são de domínio público. O caso analisado se enquadra na segunda categoria, na modalidade de parque nacional.

Unidades de conservação de domínio público incluem Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna e Reserva de Desenvolvimento Sustentável.

Nesses casos, a declaração de interesse estatal para fins expropriatórios decorre diretamente da lei que rege as unidades de conservação e do ato normativo que as institui. Dessa forma, não é necessária a expedição de um decreto de utilidade pública ou de interesse social, pois seriam redundantes.

O ato de criação da unidade de conservação de domínio público, por si só, corresponde à fase declaratória da desapropriação. A exigência de desapropriação é uma garantia para que os proprietários privados recebam a devida indenização, mas não é uma condição de validade ou eficácia da criação da unidade. Pelo contrário, é a criação da unidade que gera a obrigação de desapropriar.

No contexto da criação de uma unidade de conservação de domínio público, a declaração de interesse estatal não está sujeita ao regime de caducidade, que é próprio das desapropriações por utilidade pública, interesse social ou reforma agrária. Trata-se de um regime expropriatório ambiental próprio.

A caducidade, que é a perda de validade de um ato administrativo por inobservância de prazos legais , impediria a transferência da propriedade para o Estado. Contudo, admitir a caducidade nesse contexto geraria uma situação paradoxal, permitindo a redução ou extinção da unidade sem o devido processo legislativo (art. 225, § 1º, III, da CF/88). Isso comprometeria a segurança jurídica e os princípios de proteção ambiental.

A Lei do SNUC estabelece que as áreas particulares inseridas em unidades de conservação de domínio público devem ser desapropriadas, o que é um dever, e não uma faculdade administrativa. Além disso, exige lei específica para desafetação ou redução territorial (art. 22, § 7º). Permitir que normas gerais de caducidade (art. 10 do Decreto-Lei 3.365/1941 ou art. 3º da Lei 4.132/1962) incidam nesses casos contraria frontalmente esse dispositivo.

Assim, os prazos de caducidade de 5 (cinco) anos (Decreto-Lei 3.365/1941) ou de 2 (dois) anos (Lei 4.132/1962) não se aplicam às desapropriações baseadas na Lei do SNUC. O interesse ambiental na desapropriação decorre diretamente do ato de criação da unidade e perdura enquanto a unidade existir. Somente lei específica pode alterar esse quadro.

A Lei do SNUC, como norma posterior e especial, prevalece sobre os regimes expropriatórios gerais. O interesse expropriatório ambiental se manifesta com a criação da unidade e subsiste enquanto ela existir.

Conclusões Finais: No âmbito das unidades de conservação de domínio público, o ato de criação da unidade corresponde à fase declaratória da desapropriação, afirmando o interesse estatal nas áreas privadas afetadas.

Esse interesse é de caráter ambiental, distinto das declarações de utilidade pública ou de interesse social.

O interesse público ambiental na área de uma unidade de conservação de domínio público perdura enquanto a unidade não for extinta por lei específica, não estando sujeito à caducidade pelo simples decurso do tempo.

O descumprimento do prazo para a efetivação do procedimento administrativo expropriatório pode gerar uma ação indenizatória particular por desapropriação indireta ou limitação administrativa, respeitados os prazos prescricionais, mas não a reversão automática das restrições ambientais ou do domínio público resultantes da criação da unidade de conservação por força de lei.

Os casos concretos de indenização deverão considerar a incidência de juros compensatórios, o passivo ambiental a ser descontado e o termo inicial da prescrição, entre outros fatores relevantes.

Revisão em Perguntas e Respostas:

Qual foi o principal fundamento para afastar a caducidade dos efeitos expropriatórios do decreto de criação do parque nacional? A Lei n. 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), prevê que o interesse expropriatório decorre diretamente da criação da unidade de conservação e permanece enquanto ela existir, sendo incompatível com a caducidade prevista no Decreto-Lei n. 3.365/1941.

Por que a Lei n. 9.985/2000 prevalece sobre as normas gerais de desapropriação no caso das unidades de conservação de domínio público? Por ser norma especial e superveniente, a Lei n. 9.985/2000 prevalece sobre as normas gerais de desapropriação, afastando-as nos pontos em que sejam incompatíveis, conforme o princípio da especialidade.

Qual a relação entre a criação de uma unidade de conservação e a declaração de utilidade pública ou interesse social? A criação da unidade de conservação de domínio público já corresponde à fase declaratória da desapropriação e manifesta um interesse ambiental específico, distinto da utilidade pública ou do interesse social tratados nas normas gerais.

É possível a redução ou extinção de uma unidade de conservação por ato administrativo ou decurso do tempo? Não. Somente lei em sentido estrito pode reduzir, extinguir ou recategorizar uma unidade de conservação, nos termos do art. 22, § 7º, da Lei n. 9.985/2000 e do art. 225, § 1º, III, da Constituição.

O decurso do prazo para ajuizamento da ação de desapropriação retira as restrições ambientais sobre os imóveis afetados? Não. As restrições ambientais decorrem diretamente da lei e são mantidas independentemente do ajuizamento ou não da ação expropriatória.

Qual é o instrumento jurídico cabível ao particular que se sentir prejudicado pela ausência de efetivação da desapropriação? O particular poderá ajuizar ação indenizatória por desapropriação indireta ou por limitação administrativa, observando-se os respectivos prazos prescricionais.

Como o STJ tem qualificado o impacto da criação de unidade de conservação de domínio público sobre o direito de propriedade? Tem qualificado como desapropriação indireta, e não mera limitação administrativa, em razão do esvaziamento econômico resultante da criação da unidade.

A caducidade prevista no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 é aplicável ao regime expropriatório das unidades de conservação de domínio público? Não. O regime expropriatório das unidades de conservação de domínio público possui características próprias e não se submete à caducidade prevista para a desapropriação por utilidade pública.

Quais espécies de unidades de conservação a Lei n. 9.985/2000 determina que sejam de domínio público, exigindo desapropriação das áreas particulares? Estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, floresta nacional, reserva extrativista, reserva da fauna e reserva de desenvolvimento sustentável.

Como a omissão estatal no cumprimento do dever de promover a desapropriação influencia a existência da unidade de conservação? Não influencia. O interesse ambiental declarado com a criação da unidade de conservação persiste independentemente da omissão estatal quanto à efetivação da desapropriação.

Fonte: https://www.dizerodireito.com.br/2025/06/informativo-comentado-850-completo-e.html

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há 4 semanas
Matéria: Direito Ambiental
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