Entendendo a Contravenção de Perturbação do Sossego: Uma Análise do Art. 42 da Lei de Contravenções Penais

1. O Bem Jurídico Protegido: O Que a Lei Realmente Defende?

A contravenção penal de perturbação do trabalho ou do sossego alheios, descrita no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, tem como principal finalidade proteger a paz pública, a tranquilidade e o direito coletivo ao sossego. Esse direito encontra respaldo não apenas na esfera penal, mas também em outros ramos do direito.

O Código Civil, em seu artigo 1.277, já estabelece o direito ao sossego como uma prerrogativa ligada à propriedade e posse:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Além disso, a proteção à tranquilidade é um desdobramento do direito à preservação da ordem pública, assegurado pelo artigo 144 da Constituição Federal. A ordem pública se divide em três pilares: salubridade, segurança e tranquilidade, sendo que esta última abrange o direito de viver em paz, livre de perturbações.

Quanto aos sujeitos envolvidos na contravenção:

  • Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa que pratique a perturbação;
  • Sujeito passivo: É, primariamente, a coletividade (a sociedade) e, de forma secundária, os indivíduos diretamente afetados pela conduta. É importante notar que a vítima é sempre a sociedade composta por pessoas físicas; a lei não abrange a perturbação contra animais ou pessoas jurídicas, visto que estas não possuem a capacidade de sofrer tal incômodo.

2. As 4 Formas de Perturbação do Sossego Previstas em Lei

Para que a contravenção de perturbação seja configurada, não basta um mero incômodo. A conduta do agente deve se enquadrar em uma das quatro modalidades específicas previstas no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais. São elas:

I - Com gritaria ou algazarra

  • Gritaria: Refere-se à voz humana em tom excessivamente alto, que extrapola o nível normal de uma conversa.
  • Algazarra: É o barulho ou som alto produzido por um ser humano, mas que não se origina da voz. Por exemplo, um grupo de pessoas chutando garrafas ou arrastando objetos ruidosos pela rua pratica algazarra.

É importante notar que a lei visa coibir a perturbação intencional. Manifestações isoladas de alegria, como cantar parabéns ou um grito de gol, não configuram a contravenção. A jurisprudência reforça essa ideia:

"o simples cantar, manifestação de saúde e felicidade do cidadão, ainda que por vezes um tanto alto, não configura a infração do art. 42 da LCP" (TACrim - RT 224/370).

Da mesma forma, a realização de uma festa com som em volume excessivo e algazarras que violam a tranquilidade dos vizinhos pode caracterizar o ato ilícito.

II - Exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais

Esta modalidade é uma "norma penal em branco", o que significa que ela precisa de uma outra norma (uma lei municipal ou regulamento administrativo, por exemplo) para ser complementada. A contravenção ocorre quando uma atividade profissional:

  • Incômoda: Causa desconforto, como a construção civil;
  • Ruidosa: Causa barulhos que incomodam, como uma indústria.

A contravenção só se caracteriza se a profissão for exercida em desacordo com as "prescrições legais" que definem horários ou condições para seu funcionamento. Por exemplo, a Lei n. 9.505/08 de Belo Horizonte permite ruídos de construção civil apenas entre 10:00h e 17:00h. Atuar fora desse horário, perturbando o sossego, configuraria a infração. Se não houver lei ou norma regulamentando a atividade, não há contravenção por essa modalidade.

III - Abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos

O núcleo da conduta aqui é o abuso, ou seja, o excesso, o que foge do razoável.

  • Instrumentos sonoros: São aqueles que emitem som, como violão, guitarra, piano, etc.
  • Sinais acústicos: Referem-se a aparelhos de som, como caixas de som, televisões, rádios e som automotivo.

O proprietário de um bar que mantém som alto e algazarra, perturbando a vizinhança, pratica essa modalidade da contravenção. O mesmo vale para uma pessoa que realiza uma festa particular com volume excessivo, incomodando os vizinhos. Sinais acústicos de viaturas policiais ou ambulâncias, quando usados no estrito cumprimento do dever legal, não caracterizam a infração.

IV - Provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda

A contravenção pode ocorrer de duas formas:

  1. Provocando: Quando o agente estimula ou dá causa ao barulho do animal.
  2. Não procurando impedir: Quando o agente, ciente do barulho, nada faz para cessá-lo ou diminuí-lo (conduta omissiva).

O responsável é quem tem a guarda do animal, seja o dono ou não. Um exemplo clássico é o morador cujos cães latem excessivamente durante o dia, incomodando a vizinhança, e ele não adota nenhuma medida para resolver a situação, como um isolamento acústico ou adestramento. Em condomínios, não se pode proibir a permanência de animais de forma absoluta, mas desde que eles não perturbem o sossego, a segurança e a saúde dos demais moradores.


3. Elemento Subjetivo e Classificação da Contravenção

Para compreender plenamente a contravenção de perturbação do sossego, é fundamental analisar o elemento subjetivo (a intenção do agente) e sua classificação jurídica.

Elemento Subjetivo

A perturbação do sossego exige que o agente atue de forma dolosa, ou seja, com a intenção de praticar a conduta. A lei admite tanto o dolo direto (quando o agente tem a intenção específica de perturbar) quanto o dolo eventual (quando o agente, mesmo sem querer diretamente o resultado, assume o risco de produzi-lo).

Não existe a modalidade culposa (por negligência, imprudência ou imperícia) para esta contravenção, pois não há previsão legal para isso.

Conforme a doutrina de Luciano Casaroti, em modalidades específicas, o dolo exige uma consciência particular do agente:

  • Ao exercer profissão incômoda ou ruidosa, o agente deve saber que sua conduta contraria as prescrições legais.
  • Ao abusar de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, o agente deve ter a consciência de que seu comportamento é abusivo e excessivo.

Classificação da Infração

A contravenção de perturbação do sossego é classificada da seguinte forma:

  • Comum: Pode ser praticada por qualquer pessoa, não exigindo uma qualidade especial do autor.
  • Pode ser praticada por ação ou omissão: Ocorre por uma ação (como gritar ou ligar o som alto) ou por uma omissão (como no caso do responsável que não toma medidas para fazer cessar o barulho de seu animal).
  • Material: Exige a ocorrência de um resultado efetivo, ou seja, a real perturbação do trabalho ou sossego de outras pessoas.
  • De forma vinculada: A prática da contravenção está restrita às formas descritas nos incisos I a IV do artigo 42.
  • Unissubjetiva: Pode ser praticada por apenas uma pessoa.
  • Plurissubsistente: A conduta geralmente se desdobra em vários atos, e não em um único ato isolado.
  • Tentativa não punível: Embora a prática possa ser fracionada em vários atos (o que, em tese, admitiria tentativa), o artigo 4º do Decreto-Lei n. 3.688/41 estabelece que a tentativa de contravenção não é punível no Brasil.

4. Consumação do Ato: Quando a Perturbação se Torna uma Contravenção?

A consumação da contravenção de perturbação do sossego, por ser uma infração material, ocorre no momento em que o resultado é efetivamente produzido, ou seja, quando o trabalho ou o sossego de outras pessoas é de fato perturbado.

Um ponto central para a consumação é a necessidade de que a perturbação atinja uma pluralidade de pessoas. O próprio texto do artigo 42 utiliza o termo "alheios", no plural, indicando que o bem jurídico protegido é a paz pública, e não o sossego de um único indivíduo.

A Vítima é a Coletividade

A perturbação deve ser incômoda para um grupo de pessoas, como os moradores de um quarteirão, uma vila ou os frequentadores de um hospital. Não se configura a contravenção quando o fato atinge apenas uma pessoa ou um número muito restrito de indivíduos na mesma residência. O Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou esse entendimento:

“Conforme a orientação doutrinária, o bem jurídico tutelado é a paz pública, a tranqüilidade da coletividade, não existindo a contravenção quando o fato atinge uma única pessoa.” (Voto do Min. Gilmar Mendes, HC 85032 RJ)

Isso significa que a simples irritabilidade ou a maior sensibilidade de uma pessoa ao barulho não é suficiente para caracterizar a infração. O incômodo deve ser avaliado com base na sensibilidade de um "homem médio".

Denúncia Anônima e Prova da Perturbação

Ainda que apenas uma pessoa acione a polícia, ou que a denúncia seja anônima, a contravenção pode estar consumada. A identificação das vítimas serve como prova da perturbação, mas não é um requisito para a existência do ato. Nesses casos, os policiais que atenderem à ocorrência deverão constatar por si mesmos a prática da perturbação.

A prova pode ser feita por qualquer meio idôneo, como:

  • Depoimento de policiais que constataram o som excessivo.
  • Gravações de áudio e vídeo que demonstrem o barulho a uma distância considerável.
  • Registro de múltiplas ligações para o 190.

Se não houver nenhuma prova que demonstre o abalo à coletividade — como a ausência de vítimas, testemunhas ou outras evidências —, o fato é considerado atípico e não há que se falar em perturbação do sossego. Da mesma forma, um som alto em um local isolado, como um sítio sem vizinhos, não configura a contravenção por absoluta impropriedade do objeto.


*5. É Necessária Perícia Técnica para Comprovar a Perturbação?

Não, a realização de perícia técnica ou o uso de um decibelímetro (aparelho que mede a intensidade do som) não é um requisito para a comprovação da contravenção penal de perturbação do sossego.

A jurisprudência brasileira é pacífica nesse sentido. O tipo contravencional exige apenas a "perturbação do trabalho ou do sossego alheios", e essa perturbação pode ser comprovada por qualquer meio de prova admitido no direito, como depoimentos de testemunhas, declarações das vítimas, filmagens ou a própria constatação dos policiais que atenderam à ocorrência.

Um julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ilustra bem essa posição:

"Sabe-se que a contravenção penal de perturbação de sossego alheio não é delito que deixa vestígios, a ponto de se exigir que sua comprovação se dê somente por exame pericial, ou que seja necessário medir, por equipamento próprio, o barulho provocado pelo aparelho de som."

Dessa forma, o testemunho de policiais acionados por vizinhos, que constatam o volume excessivo do som ao chegar ao local, é considerado prova suficiente para configurar a contravenção.

É crucial destacar, no entanto, que a dispensa da perícia ocorre quando existem outras provas robustas nos autos que demonstrem a prática da perturbação. A ausência total de provas, sejam elas testemunhais, documentais ou periciais, impede a caracterização da infração.


6. A "Lei do Silêncio" Existe? A Relação com Horário e Intensidade do Som

Uma das crenças mais difundidas é a de que a perturbação do sossego só pode ocorrer após as 22:00 horas. Isso é um mito. A Lei de Contravenções Penais não estabelece nenhum horário específico para a configuração da infração, que pode ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer local onde haja a possibilidade de perturbar a coletividade.

O que é a "Lei do Silêncio"?

O termo "Lei do Silêncio" não se refere a uma única lei federal, mas sim a um conjunto de leis municipais que controlam ruídos e sons. Essas leis geralmente estabelecem sanções administrativas (como multas e interdições) e definem limites máximos de decibéis permitidos em diferentes horários e zonas da cidade.

Por exemplo, em Belo Horizonte, a Lei n. 9.505/2008 (conhecida como Lei do Silêncio local) proíbe a emissão de ruídos que causem incômodo ou ultrapassem os níveis fixados. Os limites de decibéis variam conforme o horário:

Horário Níveis Máximos de Decibéis
07:01 às 19:00 70 dB
19:01 às 22:00 60 dB
22:01 às 23:59 50 dB
00:00 às 07:00 45 dB

Intensidade do Som e a Diferença entre as Esferas

Para a contravenção penal do artigo 42, a intensidade do som não é medida por decibéis. O critério é se o barulho é suficiente para causar desconforto e incômodo a um "homem médio", ou seja, uma pessoa com sensibilidade auditiva dentro dos padrões de normalidade.

É aqui que reside a principal diferença:

  • Infração Administrativa (Lei do Silêncio): Geralmente exige uma medição técnica com decibelímetro para aplicar a multa.
  • Contravenção Penal (Art. 42): Não exige prova técnica e pode ser comprovada por outros meios, como o testemunho de vizinhos e policiais.

Isso significa que é possível que uma conduta não configure infração administrativa (por estar abaixo do limite de decibéis), mas ainda assim caracterize a contravenção penal, caso perturbe efetivamente a tranquilidade de uma coletividade. O contrário também é possível. As esferas são independentes e é possível que ambas as infrações (administrativa e penal) ocorram simultaneamente.


7. Liberdade Religiosa vs. Direito ao Sossego: Como a Lei Equilibra esses Direitos?

O exercício da liberdade religiosa, um direito fundamental garantido pelo artigo 5º, VI, da Constituição Federal, por vezes entra em conflito com o direito ao sossego, igualmente protegido pela Constituição e pelo Código Civil. Como o sistema jurídico resolve essa colisão?

A resposta está na ponderação e no equilíbrio. Nenhum direito fundamental é absoluto. A liberdade de culto, embora amplamente protegida, não pode servir como um escudo para violar o direito de outras pessoas à paz e à tranquilidade.

A doutrina e a jurisprudência são claras ao afirmar que a atividade religiosa, mesmo sendo legítima, deve respeitar os limites do razoável. O jurista Luciano Casaroti ensina que:

"A liberdade de culto garantida pelo art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, não serve para excluir a tipicidade dos responsáveis, pois o sossego e a tranquilidade alheia são bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico, de sorte que não é permitido a ninguém perturbar o trabalho ou sossego alheio com exercício de atividade ruinosa mesmo em se tratando de cultos religiosos."

Isso significa que, embora os ruídos naturais de um evento religioso devam ser tolerados em nome da convivência social, os excessos são vedados. Barulhos estrondosos e perturbações que invadem a casa vizinha extrapolam o exercício regular do direito.

Os tribunais têm decidido de forma consistente nesse sentido. Em um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ficou estabelecido que a "Liberdade religiosa que não autoriza ignorar a perturbação do sossego alheio." Nesses casos, a Justiça pode determinar que os locais de culto moderem a intensidade do som ou realizem obras para garantir o isolamento acústico adequado, de modo a harmonizar os direitos em conflito.

Portanto, a solução legal não é proibir o culto, mas sim adequá-lo aos limites da vida em sociedade, garantindo que a fé de uns não perturbe a paz de outros.


8. Competência, Ação Penal e Atuação Policial

Competência para Julgamento

A competência para processar e julgar a contravenção penal de perturbação do sossego é da Justiça Estadual Comum. A Súmula n. 38 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firma esse entendimento, estabelecendo que, mesmo que a infração seja praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, a competência permanece com a Justiça Estadual. A única exceção ocorre quando o autor da contravenção possui foro por prerrogativa de função previsto na Constituição, caso em que será julgado pelo tribunal competente.

Natureza da Ação Penal

A ação penal para a perturbação do sossego é pública incondicionada, conforme o artigo 17 da Lei de Contravenções Penais. Isso significa que o Estado tem o dever de agir de ofício, independentemente de representação ou autorização da vítima. Assim que toma conhecimento do fato, a autoridade policial deve adotar as providências cabíveis.

Atuação Policial: O Papel do "Policial Conciliador"

Embora a lei determine a ação de ofício, a atuação policial na prática exige bom senso e proporcionalidade. Muitas vezes, quem aciona a polícia deseja apenas que o barulho cesse. A abordagem mais comum e eficaz é a do "policial conciliador", que busca resolver o conflito social, e não apenas aplicar a letra fria da lei.

A atuação policial pode seguir os seguintes passos:

  1. Advertência e Orientação: Em um primeiro momento, o policial pode (e deve) orientar o responsável a cessar a perturbação, determinando que o volume do som seja reduzido a um nível que não incomode terceiros. Essa providência, se acatada, resolve o problema de forma rápida e pacífica.
  2. Crime de Desobediência: Caso o responsável se recuse a cumprir a ordem legal do policial, ele passa a cometer o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), além da contravenção original. Nessa situação, a condução à delegacia se torna imperativa.
  3. Prisão em Flagrante: A Lei n. 9.099/95, que rege as infrações de menor potencial ofensivo, estabelece que não haverá prisão em flagrante se o autor do fato assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal. Portanto, o infrator é capturado e conduzido, mas não necessariamente preso.
  4. Ingresso em Domicílio: A Constituição Federal permite a entrada em domicílio em caso de flagrante delito (art. 5º, XI). Como a perturbação é uma infração penal, o ingresso é legalmente possível. Contudo, o policial deve avaliar o cenário para evitar uma escalada da violência, ponderando a necessidade da medida em face dos riscos.
  5. Apreensão do Aparelho de Som: Os instrumentos utilizados na prática da contravenção, como caixas de som, devem ser apreendidos (art. 6º, II, do CPP). Existe, no entanto, uma corrente que considera essa medida desproporcional, já que a materialidade da infração pode ser provada por outros meios, como a prova testemunhal.

9. Perturbação por Veículos e a Diferença para o Crime de Poluição Sonora

Som Automotivo: Infração de Trânsito ou Contravenção?

O uso de som alto em veículos possui uma regulamentação específica no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). De acordo com o artigo 228, usar no veículo equipamento com som em volume ou frequência não autorizados pelo CONTRAN é uma infração de trânsito grave. As penalidades incluem multa e a retenção do veículo para regularização.

A Resolução n. 958/2022 do CONTRAN, que regulamenta o tema, estabelece que a fiscalização não exige o uso de decibelímetro. Basta que o som seja audível pelo lado externo do veículo e que o agente de trânsito constate que ele perturba o sossego público para que a autuação seja válida.

Uma questão jurídica importante surge aqui: se o motorista já é punido com uma sanção administrativa de trânsito, ele também pode responder pela contravenção penal de perturbação de sossego? A jurisprudência majoritária entende que não. Pelo princípio da subsidiariedade do Direito Penal, quando a própria lei já prevê uma punição administrativa específica sem ressalvar a cumulação com a sanção penal, entende-se que a primeira é suficiente. Contudo, se o motorista desobedecer à ordem do agente para baixar o som, ele cometerá o crime de desobediência (art. 330 do CP).

Diferença para o Crime de Poluição Sonora

Enquanto a perturbação de sossego é uma contravenção, a poluição sonora pode configurar um crime ambiental, previsto no artigo 54 da Lei n. 9.605/98. A principal distinção entre os dois reside na intensidade e na potencialidade do dano:

  • Perturbação de Sossego (Contravenção): Ocorre com um barulho incômodo, irritante, mas que pode ser considerado "suportável". Atinge a tranquilidade e a paz pública.
  • Poluição Sonora (Crime): Ocorre quando o barulho é em níveis "insuportáveis", a ponto de causar ou poder causar danos à saúde humana (como dores de ouvido, estresse ou até surdez), ou provocar a morte de animais e a destruição da flora.

Quando o nível do som é tão elevado que se enquadra no crime de poluição sonora, a contravenção de perturbação é absorvida por ele. Embora a Norma Brasileira NBR 10.152 seja frequentemente usada como parâmetro técnico para aferir o dano, os tribunais superiores (STF e STJ) entendem que a perícia não é obrigatória para configurar o crime, que pode ser comprovado por outros meios, como testemunhas, se a potencialidade de dano à saúde for evidente.

Diferenças Perturbação de Sossego (Contravenção) Poluição Sonora (Crime)
Intensidade Som tolerável, mas incômodo. Som intolerável, com potencial de dano à saúde.
Nº de Vítimas Exige uma pluralidade de pessoas (coletividade). Pode ser uma só pessoa (no dano à saúde humana).
Bem Jurídico Paz pública, sossego. Saúde pública, meio ambiente equilibrado.
Forma Vinculada (só as 4 formas da lei). Livre (qualquer forma que cause o resultado).

10. A Atuação da Guarda Municipal em Ocorrências de Perturbação de Sossego

A Guarda Municipal possui plena legitimidade para atuar em ocorrências de perturbação de sossego, com base em diversas competências estabelecidas pela Lei n. 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais). Essa atuação é fundamental para otimizar os recursos de segurança pública.

Os principais fundamentos legais para essa atuação são:

  • Colaboração para a Paz Social (Art. 5º, IV): A lei permite que a Guarda Municipal colabore com os demais órgãos de segurança em ações que contribuam com a paz social. Atender a chamados de perturbação libera a Polícia Militar para se concentrar em ocorrências de maior gravidade, o que, em última análise, contribui para a paz de toda a comunidade.
  • Pacificação de Conflitos (Art. 5º, V): Os guardas municipais devem colaborar para a pacificação de conflitos que presenciarem. Isso significa que, ao se depararem com uma situação de perturbação durante o patrulhamento preventivo, eles têm o dever de intervir para resolver a situação.
  • Fiscalização de Posturas Municipais (Art. 5º, XII): Compete à Guarda se integrar a outros órgãos para fiscalizar as posturas e o ordenamento urbano municipal. Como muitas "Leis do Silêncio" são, na verdade, códigos de posturas municipais, a Guarda Municipal é o órgão ideal para fiscalizar seu cumprimento.
  • Atuação em Flagrante Delito (Art. 5º, XIV): A lei autoriza expressamente a Guarda Municipal a encaminhar ao delegado de polícia o autor da infração em caso de flagrante delito. Como a perturbação de sossego é uma infração penal, a Guarda pode e deve agir quando se deparar com a contravenção em andamento.
  • Proteção Ambiental (Art. 5º, VII): A Guarda também tem a atribuição de proteger o patrimônio ambiental do município, o que inclui a proteção contra a poluição sonora, que afeta a qualidade do ar e o meio ambiente do trabalho.

Dessa forma, os municípios podem, e muitos já o fazem, criar serviços como o "Disque Sossego" ou a "Patrulha do Sossego", centralizando o atendimento a essas ocorrências na Guarda Municipal. Essa prática é benéfica para toda a sociedade, pois garante uma resposta mais ágil ao cidadão e permite que cada força de segurança foque em suas atribuições mais estratégicas.


FOUREAUX, Rodrigo. Perturbação do trabalho ou do sossego alheios – Decreto – Lei n. 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais). CJPol, Brasília/DF. Disponível em: https://cjpol.com.br/leis_comentadas/perturbacao-do-trabalho-ou-do-sossego-alheios-decreto-lei-n-3-688-1941-lei-das-contravencoes-penais/. Acesso em: 02/07/2025.

Avatar de diego
há 4 semanas
Matéria: Legislação Penal Especial
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