O Uso de Algemas no Processo Penal: Requisitos, Limites e Jurisprudência Atual

🔹 1. Fundamentos Legais e Normativos

O uso de algemas no processo penal brasileiro é regulado por um conjunto de normas constitucionais, infraconstitucionais e jurisprudenciais que visam equilibrar a necessidade de segurança pública com a proteção da dignidade da pessoa humana. Os principais fundamentos legais são:

📌 Súmula Vinculante 11 do STF

A diretriz mais importante sobre o tema é a Súmula Vinculante 11, que estabelece:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

Essa súmula tem força obrigatória para todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública, sendo um marco na limitação do uso abusivo de algemas.

📌 Código de Processo Penal (CPP)

O CPP também fornece respaldo normativo, especialmente nos seguintes dispositivos:

  • Art. 283, §2º: Prevê que a prisão será efetuada com o mínimo de constrangimento possível.
  • Art. 563: Estabelece que nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a parte que a alega (princípio do “pas de nullité sans grief”).

📌 Resolução CNJ nº 213/2015

Essa norma do Conselho Nacional de Justiça trata das audiências de custódia e reforça a vedação ao uso automático de algemas, exigindo fundamentação específica e proporcionalidade na sua aplicação.

Esses dispositivos formam o alicerce jurídico que orienta a atuação policial e judicial quanto ao uso de algemas, exigindo sempre uma análise concreta da situação e a devida motivação por escrito.


🔹 2. Requisitos Objetivos e Subjetivos para o Uso de Algemas

A legalidade do uso de algemas depende da presença de requisitos objetivos e subjetivos que justifiquem a medida de forma concreta. A jurisprudência tem reforçado que a decisão de algemar alguém não pode ser tomada com base em critérios genéricos ou padronizados, mas sim a partir da análise das circunstâncias específicas de cada caso.

✅ Requisitos Objetivos

Estes são os elementos verificáveis que autorizam o uso de algemas:

  • Resistência ativa à prisão: Quando o indivíduo oferece resistência física à atuação policial, o uso de algemas é considerado legítimo.
  • Fundado receio de fuga: A existência de elementos que indiquem a intenção do preso de fugir justifica a contenção.
  • Perigo à integridade física: Quando há risco concreto à segurança do próprio preso, dos agentes públicos ou de terceiros.

Esses critérios estão expressamente previstos na Súmula Vinculante 11 do STF e foram reafirmados em diversos julgados, como no AgRg no RHC 203226/SP (DJEN 31/03/2025), em que o STJ entendeu como legítimo o uso de algemas diante da resistência do réu e da necessidade de preservar a ordem da audiência.

🧠 Requisitos Subjetivos

Além dos elementos objetivos, a autoridade deve avaliar subjetivamente:

  • O histórico do custodiado: Se há antecedentes de violência ou fuga.
  • A situação do ambiente: Como o número de agentes disponíveis e o local da audiência.
  • A proporcionalidade da medida: Se o uso de algemas é o único meio eficaz para garantir a segurança.

No Acórdão 1989155 – HC 0713038-95.2025.8.07.0000 do TJDFT, por exemplo, o uso de algemas foi considerado legal diante da insuficiência de policiais penais e do risco à segurança, demonstrando que a análise subjetiva do contexto também é essencial.


🔹 3. A Necessidade de Fundamentação Concreta

A exigência de fundamentação concreta para o uso de algemas é um dos pilares da jurisprudência atual. A autoridade policial ou judicial deve justificar, de forma clara e específica, os motivos que levaram à adoção da medida, sob pena de nulidade do ato e responsabilização funcional.

🧾 Obrigatoriedade de Justificativa Escrita

A Súmula Vinculante 11 do STF determina expressamente que a excepcionalidade do uso de algemas deve ser justificada por escrito. Essa exigência visa garantir a transparência da atuação estatal e prevenir abusos de autoridade. A ausência dessa motivação pode acarretar:

  • Nulidade do ato processual (ex: audiência de custódia)
  • Responsabilidade disciplinar, civil e penal da autoridade
  • Responsabilidade civil do Estado por danos morais

🚫 Proibição do Uso Automático

A jurisprudência tem reiteradamente rechaçado o uso padronizado de algemas, especialmente em audiências de custódia. No julgamento do AREsp 2360964/SC (DJEN 24/04/2025), o STJ anulou a audiência por ausência de fundamentação concreta para o uso de algemas, reforçando que a medida não pode ser aplicada de forma genérica ou por mera conveniência administrativa.

⚖️ Exigência de Fundamentação Judicial

Quando o uso de algemas ocorre durante atos processuais (como audiências), é imprescindível que o juiz registre na ata os motivos que justificaram a medida. A omissão dessa fundamentação pode ser considerada ilegal, como reconhecido no AgRg no AREsp 2903614/GO (DJEN 21/05/2025), em que o STJ destacou a necessidade de motivação específica, mesmo diante de alegações de segurança.


🔹 4. Preclusão e Prejuízo: Quando a Nulidade Não se Sustenta

Nem toda irregularidade no uso de algemas resulta automaticamente na nulidade do ato processual. O ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio do “pas de nullité sans grief”, segundo o qual só há nulidade se houver prejuízo efetivo à parte. Além disso, a ausência de impugnação oportuna pode levar à preclusão da matéria.

⏳ Preclusão Consumativa

Se a defesa não questiona o uso de algemas no momento adequado — como na audiência de custódia ou na primeira oportunidade processual —, o tema pode ser considerado precluso. Foi o que decidiu o TJDFT no Acórdão 1992155 – HC 0712838-88.2025.8.07.0000, ao entender que a alegação de ilegalidade no uso de algemas não poderia ser analisada, pois não houve impugnação imediata e tampouco demonstração de prejuízo.

⚖️ Princípio do Prejuízo (Art. 563 do CPP)

O Código de Processo Penal, em seu art. 563, estabelece que nenhum ato será anulado se da nulidade não resultar prejuízo para a parte que a alega. Assim, mesmo que haja falha na fundamentação do uso de algemas, a nulidade só será reconhecida se ficar demonstrado que isso comprometeu o exercício da ampla defesa ou causou constrangimento indevido.

📌 Jurisprudência Relevante

No julgamento do RHC 211301/SP (DJEN 10/06/2025), o STJ reafirmou que a ausência de prejuízo concreto impede o reconhecimento da nulidade, mesmo quando há falha na justificativa do uso de algemas. A Corte destacou que a medida deve ser analisada à luz das circunstâncias do caso e da atuação da defesa.


🔹 5. Jurisprudência Selecionada: Casos Concretos e Tese dos Tribunais

A análise de julgados recentes permite compreender como os tribunais têm aplicado os fundamentos legais sobre o uso de algemas, especialmente no que se refere à necessidade de motivação concreta, à segurança dos agentes e à atuação da defesa.

📚 Casos do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

RHC 211301/SP, DJEN 10/06/2025: O STJ reafirmou que a ausência de prejuízo concreto impede a nulidade do ato processual, mesmo diante de eventual falha na justificativa do uso de algemas. A Corte destacou que a medida deve ser analisada à luz das circunstâncias do caso e da atuação da defesa.

AgRg no AREsp 2903614/GO, DJEN 21/05/2025: Neste caso, o STJ anulou a audiência por ausência de fundamentação específica para o uso de algemas, reforçando que a segurança institucional não pode justificar, por si só, a medida sem análise concreta.

AREsp 2360964/SC, DJEN 24/04/2025: A Corte entendeu que o uso de algemas sem justificativa escrita e sem resistência do custodiado violou a Súmula Vinculante 11, resultando na nulidade do ato.

AgRg no RHC 203226/SP, DJEN 31/03/2025: O uso de algemas foi considerado legítimo diante da resistência ativa do réu e da necessidade de preservar a ordem da audiência, com fundamentação expressa na ata.

⚖️ Casos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)

Acórdão 1989155 – HC 0713038-95.2025.8.07.0000: O TJDFT reconheceu a legalidade do uso de algemas em razão do risco à segurança da polícia penal e da insuficiência de agentes, com base na SV 11.

Acórdão 1992155 – HC 0712838-88.2025.8.07.0000: A alegação de uso indevido de algemas foi rejeitada por ausência de impugnação imediata e inexistência de prejuízo, aplicando-se o princípio da preclusão.

Avatar de diego
há 3 semanas
Matéria: Direito Constitucional
Artigo
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